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ARTIGO

DESAFIOS COTIDIANOS

Por Sérgio Rodas (entrevista com Luciano Bandeira)


Entrevista com Luciano Bandeira (Por Sérgio Rodas)

 

A Comissão de Prerrogativas da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil atuou em 5.206 demandas por violações de direitos da classe em 2016 e 2017.

 

Para o presidente da comissão, Luciano Bandeira, o balanço é desanimador: advogados continuam sendo desrespeitados diariamente por todos os tipos de funcionários públicos – desde o servidor do cartório judicial até o desembargador. Pior: a seu ver, a advocacia está sendo criminalizada.

 

De acordo com relatório sobre o biênio 2016-2017 (até outubro) produzido pela Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ, juízes estaduais lideram o ranking das autoridades mais acusadas de violar garantias dos advogados. Com 1.896 reclamações, eles são nove vezes mais denunciados por desrespeitar prerrogativas do que desembargadores, que estão no segundo lugar, com 202 queixas.

 

Na visão de Bandeira, a magistratura estadual está em primeiro lugar pela insistente recusa em receber advogados – são 697 julgadores no estado, segundo o Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2018. Delegados de polícia estão em segundo lugar, com 136 denúncias, e em seguida vêm chefes de cartório e juízes leigos, ambos com 114 reclamações de violações a prerrogativas.

 

O fato de estes profissionais serem alvo de tantas denúncias incomoda o conselheiro da OAB-RJ. Como esses julgadores são advogados, Bandeira afirma que criam uma cultura “que também o fará ser desrespeitado quando estiver exercendo a advocacia”.

 

A área cível é a que tem mais queixas de violação de prerrogativas (1.608), seguida pelo campo criminal (872 denúncias) e pelos juizados especiais cíveis (708). Mas estes, conforme Luciano Bandeira, só não lideram a lista de reclamações porque foram esvaziados no Rio pela aplicação equivocada da tese do “mero aborrecimento”. Este entendimento deixa impunes empresas que violam direitos do consumidor e, com isso, afasta pessoas da Justiça, declara o presidente da Comissão de Prerrogativas.

 

O tratamento conferido ao advogado é a reclamação mais comum – 970 queixas. Em seguida vêm denúncias quanto a honorários (822), morosidade (504), irregularidades processuais (416) e acesso aos autos administrativos (294) e judiciais (240).

 

O problema mais grave, afirma, é o fato de a advocacia estar sendo criminalizada no Brasil. Basta ver que, entre 2016 e 2017, a seccional fez 532 defesas de advogados acusados de ilícitos no exercício da profissão.

 

A medida pode ser revertida, para Bandeira, com a aprovação do Projeto de Lei 141/2015, que criminaliza a violação de prerrogativas. Rebatendo críticas de que a norma buscaria intimidar autoridades, o conselheiro da OAB-RJ diz que a proposta busca apenas assegurar garantias como o direito de defesa. Intimidatório, aponta, é acusar e condenar pessoas por desacato à autoridade.

 

Leia a entrevista:

 

ConJur — Quais as principais conclusões do último relatório da Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ?

Luciano Bandeira — Os dados mostram que há muitas violações das prerrogativas dos advogados no dia a dia do exercício profissional. Ou seja, o Poder Judiciário e órgãos da Administração Pública, de forma geral, não respeitam as prerrogativas garantidas pelo Estatuto da Advocacia. Os registros são os casos que chegam à OAB, pois diversas vezes o advogado sofre uma violação, se conforma e não a denuncia.

 

ConJur — Como atua a comissão da OAB-RJ?

Luciano Bandeira — Quando assumi a comissão, há dois anos, percebi que, para dar efetividade a essa comissão, seria preciso que ela estivesse presente em todo o estado do Rio, para que fosse capaz de atender o advogado em qualquer lugar, a qualquer momento. Além disso, percebi que era preciso criar um sistema, algo que fosse impessoal, da instituição. Então, nós pensamos em criar um sistema estadual de defesa de prerrogativas, que abrangesse todas as áreas. Por exemplo, não havia uma estrutura de defesa de prerrogativas para o advogado na Justiça do Trabalho. Então, nós criamos uma comissão específica que só atende a advocacia trabalhista. E mais: nós fomentamos a criação de 63 comissões de defesa de prerrogativas no estado uma em cada subseção da OAB-RJ.

 

A partir daí, nós podemos promover uma integração delas e ter o esboço do sistema. Isso fez com que chegássemos a ter 1.700 delegados voluntários de defesa de prerrogativas, que dão plantão nas suas subseções para defesa do advogado. Isso foi um ganho muito importante – passamos a ter capacidade de estar presente em vários locais e de promover a efetividade das prerrogativas. Por exemplo, se a OAB-RJ consegue decisão judicial favorável a um advogado de Bom Jesus do Itabapoana no plantão do tribunal na capital, para poder dar efetividade a ela, é preciso ter alguém naquela cidade. Agora, com uma comissão de prerrogativas em Bom Jesus do Itabapoana, eles podem fazer isso na hora. A partir da criação dessas comissões em outras cidades, as demandas de violações de prerrogativas começaram a aumentar. Então, criamos uma procuradoria de prerrogativas, exclusiva para o assunto, que é separada da procuradoria-geral da Ordem. Os sete procuradores do órgão só fazem um tipo de atendimento: a defesa de prerrogativas.

 

ConJur — Essa nova estrutura da Comissão de Prerrogativas é responsável pelo aumento de denúncias de violações de prerrogativas de 2016 para 2017?

Luciano Bandeira — A partir do momento que se passa a consciência de que existe uma estrutura que está pronta para atender, e como sabemos que as violações a prerrogativas ocorrem em grande quantidade no dia a dia do exercício profissional, a procura passa a ser maior, naturalmente. Houve um crescimento muito grande da procura e do número de demandas, além de uma intensificação da atuação da comissão.

 

A atuação da Comissão de Prorrogativas não é só aquela tradicional do dia a dia, do que está no estatuto. É tudo o que envolve o exercício profissional da advocacia - o que impede isso é uma violação de prerrogativas. Se o advogado de uma empresa estatal sofre assédio em razão de uma situação política nessa empresa e, por isso, responde a um procedimento administrativo que mina a sua liberdade de exercício profissional, nós vamos defender esse advogado. Da mesma forma, nós fazemos as defesas nas ações de improbidade, nas ações criminais, contra procuradores dos municípios do interior do Rio de Janeiro que, muitas vezes, são processados por mero parecer, mesmo sendo esse documento opinativo, que não vincula e nem ordena despesa. Então, essa ampliação das demandas se deve a percepção mais ampla de defesa de prerrogativas junto com um sistema que é capaz de atender as violações.

 

ConJur — Apesar de as mulheres representarem quase metade dos advogados do Rio, cerca de 65% das demandas por violação de prerrogativas são feitas por homens. O que explica essa diferença?

Luciano Bandeira — Como a quantidade de homens e mulheres na advocacia no estado do Rio de Janeiro hoje é praticamente a mesma, cabe à Ordem apresentar, para as advogadas, soluções para as violações a prerrogativas que elas experimentam. Estamos lançando agora uma segunda edição da nossa cartilha de prerrogativas, que traz um capítulo específico sobre a mulher advogada. Ele trata, por exemplo, de prerrogativas voltadas para gestantes e lactantes, como local especial para estacionar no fórum, preferência na sustentação e realização de audiências. Além disso, estamos enviando 2.200 ofícios para todos os órgãos da Justiça no Rio de Janeiro lembrando das garantias que estão na Lei Julia Matos (Lei 13.363/2016, que reformou o Estatuto da Advocacia para estabelecer direitos para advogadas gestantes, lactantes ou adotantes).

 

ConJur — Advogados negros têm suas prerrogativas mais violadas do que brancos?

Luciano Bandeira — Não tivemos na comissão uma demanda específica quanto a raça. Agora, nós temos a compreensão de que vivemos em uma sociedade racista. Nós fomos o ultimo país ocidental a acabar com a escravidão e temos uma dívida histórica com a população negra no nosso país em razão disso. Tanto que a OAB-RJ tem uma comissão que trata da igualdade racial e uma comissão que trata da reparação da escravidão negra. Pode ser que ocorram mais violações a prerrogativas de advogados negros em razão da natureza da nossa sociedade, mas a demanda não chega para nós dessa forma, chega sobre os advogados de forma geral.

 

ConJur — O levantamento mostra que a área cível tem quase o dobro de reclamações do que na esfera criminal (1.608 denúncias contra 872). Isso sem levar em conta os juizados especiais cíveis (708 denúncias). Por que a área cível tem mais violações de prerrogativas?

Luciano Bandeira — Podemos fazer duas observações. Quando consideramos que a área cível tem 1.608 reclamações, e os juizados especiais cíveis, 708 denúncias, vemos que estes, que deveriam ser o primeiro acesso à Justiça, estão esvaziados. E isso diminui o número de reclamações onde você deveria ter mais demandas. Nas varas cíveis, naturalmente, há um número maior de processos do que na área criminal, há mais advogados atuando nas varas cíveis. E sabemos do problema do Poder Judiciário de dar tratamento ao volume imenso de processos.

 

Essa incapacidade de dar tratamento gera amorosidade, instabilidade do serviço e pressão muito maior para os servidores e para os magistrados. Isso deságua no desrespeito à prerrogativa do advogado. O que o advogado quer? Ele quer despachar com juiz, quer que o processo ande, quer que a jurisdição seja entregue. Isso porque ele tem a obrigação de fazer com que determinado direito seja entregue ao cidadão. Forçado a fazer seu processo andar, o advogado acaba tendo suas prerrogativas violadas. Já na área criminal, há menos advogados, não é tão massificado, por isso há menos violações. Isso não quer dizer que os criminalistas não estejam sujeitos a desrespeitos em delegacias, júris e outras situações intensas.

 

ConJur — O senhor esperava que o número de reclamações de violação de prerrogativas fosse maior nos juizados especiais cíveis?

Luciano Bandeira — Deveria ser maior. Mas, no Rio de Janeiro, os juizados especiais passaram a ser esvaziados a partir do momento em que o Judiciário passou a aplicar – de forma absolutamente equivocada – a tese do “mero aborrecimento”. Assim, tudo o que acontece com o consumidor é “mero aborrecimento”, a não ser que ele perca uma mão, um pé ou morra. Isso faz com que a Justiça perca efetividade. Afinal, o juiz vai dizer que a empresa agiu de forma indevida, mas não irá puni-la. Com isso, a grande prestadora de serviço, a grande concessionária, a grande varejista não vai mudar seu procedimento, porque não tem consequência. Elas pensam “por que eu vou gastar dinheiro e melhorar o meu serviço?”. Em contrapartida, o consumidor que move uma, duas ações contra abusos de empresas e ouve que se as práticas são “mero aborrecimento” desiste de ir à Justiça. Ninguém quer que tenhamos uma “indústria do dano moral”, mas não se pode privilegiar o grande poder econômico em detrimento do consumidor, que é a parte mais fraca.

 

ConJur — A área trabalhista, mesmo com mais processos do que a criminal, registrou 338 reclamações contra 872 da penal. Há explicação para isso?

Luciano Bandeira — Na advocacia trabalhista, como tudo é feito na audiência, existe uma proximidade maior com o juiz e com os servidores, que acabam conhecendo os profissionais. Além disso, o processo trabalhista é mais célere. Agora, comparado com a Justiça estadual, a Justiça do Trabalho é muito menor, e isso precisa ser levado em consideração também. Ainda assim, 338 reclamações não é pouco para um único ramo da Justiça.

 

ConJur — Com 1.896 reclamações, os juízes estaduais são nove vezes mais denunciados por violações a prerrogativas do que desembargadores, que estão no segundo lugar no ranking das autoridades. Comparando com todas as outras autoridades, por que há muito mais reclamações de juízes estaduais?

Luciano Bandeira — No Judiciário, quanto mais alta a instância, melhor o tratamento do advogado. Na primeira instância, é um martírio para o advogado conseguir despachar com o juiz, um direito previsto em lei. Para conseguir isso, primeiro ele tem que ultrapassar a barreira do cartório. Depois, a dos secretários. Em seguida, o juiz vai avaliar se a questão é urgente ou não. Mesmo se não for, deve receber o advogado, de qualquer forma. Esse ponto, somado com a quantidade de juízes de primeira instância, explica a diferença.

 

ConJur — No ranking das autoridades mais denunciadas por violação de prerrogativas, os juízes leigos estão em quarto lugar, empatados com delegados de polícia. Isso surpreende o senhor, uma vez que juízes leigos são advogados?

Luciano Bandeira — Surpreende muito. Como é que um advogado tem um tratamento com um colega incompatível com o Estatuto da Advocacia? Por isso, quando há um desrespeito a uma prerrogativa por parte de um juiz leigo, este não deve só prestar contas na corregedoria de Justiça, que regula essa atividade, mas também perante a OAB. Afinal, o juiz leigo também é um advogado, e o Estatuto da Advocacia o obriga a tratar colegas com urbanidade e respeito. Se desrespeitar um colega, vai criar uma cultura em sua atividade que também o fará ser desrespeitado quando estiver exercendo a advocacia.

 

ConJur — Como está a implantação do sistema online para denúncias de violações a prerrogativas?

Luciano Bandeira — Será lançado no ano que vem. Nós já temos o aplicativo Prerrogativas Mobile. Por meio dele, é possível enviar reclamação à Comissão de Prerrogativas. A partir de 2018, será possível fazer as denúncias por computadores também.

 

ConJur — O que mais chamou a atenção do senhor com relação aos tipos de reclamação?

Luciano Bandeira — Há 970 reclamações quanto ao tratamento conferido ao advogado no dia a dia. Isso é algo que impressiona, que demonstra que não existe uma consciência da relevância da atividade do advogado. E é dever nosso criar essa consciência. Também impressiona muito as 822 queixas quanto a honorários advocatícios. O novo Código do Processo Civil deve reduzir essas violações, porque estabeleceu critérios onde o juiz não tem muito a possibilidade de fixar honorários ridículos, de R$ 100, R$ 200, depois que o advogado trabalhou 20 anos em uma causa milionária, principalmente quanto à Fazenda Pública. O terceiro campeão de reclamações é a morosidade, com 504 denúncias. O sistema judiciário brasileiro tem de ser repensado, porque o tempo que os processos demoram revela uma impossibilidade da entrega da jurisdição, da solução dos conflitos pelo Judiciário.

 

Não convence repetir o mantra de que a culpa disso é dos advogados, que ficam recorrendo de todos os aspectos das decisões. Só podemos discutir isso quando não existir nenhum processo na conclusão por mais de 15 dias, que é prazo máximo que o advogado tem. Porque, na relação processual, o advogado é a único que cumpre o prazo. Então, o problema não é do advogado, mas da estrutura do Judiciário. É um problema de investimento, de comprometimento em solucionar o problema do cidadão.

 

ConJur — A crise econômica que afeta o estado do Rio de Janeiro aumenta as violações de prerrogativas?

Luciano Bandeira — Crise econômica piora tudo em todos os aspectos da sociedade. Os ânimos ficam acirrados, os funcionários públicos não recebem salário ou recebem atrasado. Então, há mais conflitos, sem dúvida alguma.

 

ConJur — O relatório mostra 54 reclamações quanto ao acesso a inquérito policial. Como o senhor enxerga as dificuldades cotidianas para advogados examinarem inquéritos?

Luciano Bandeira — A lei determina a intervenção do advogado no inquérito policial. Entre 2016 e 2017, eu impetrei 70 mandados de segurança sobre violação de prerrogativas. Destes, 54 eram para garantir o acesso do advogado ao inquérito policial. É um absurdo que uma garantia legal seja desrespeitada assim. Mas acredito que essa nossa atuação questionando a restrição em acessar inquéritos acabará por mudar a mentalidade dos delegados.

 

ConJur — A advocacia está sendo criminalizada no Brasil?

Luciano Bandeira — Sim. Nós vivemos um momento de criminalização da advocacia. Somando assistenciais criminais, amici curiae, Habeas Corpus e representações administrativas, fizemos 532 defesas de advogados. Esse número mostra como o advogado é criminalizado no dia a dia de seu exercício profissional. A advocacia está sob ataque. Nesse momento, a OAB tem que ser mesmo o último bastião, a última esperança, a última trincheira.

 

Texto original em: www.conjur.com.br (22/12/2017)

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